quinta-feira, 20 de março de 2014

Cartas que nunca vão chegar

Mais uma noite de insônia. E é tudo culpa sua. Decidi que não aguento mais ficar com essa angústia só pra mim e quis dividi-la com você. Nada mais justo, já que é o causador dela. Sabe, já é a quarta xícara de café. Eu sempre encho a cara de café quando fico angustiada. Ah, como me sinto estúpida! Era só um jogo, não é mesmo? Um maldito jogo e eu, idiota, me deixei envolver. Mas eu não pude evitar, eu não pude...se até os seus gestos mais simples me encantam...se o seu silêncio ao invés de me fazer te esquecer, só me atrai mais e mais....mania idiota de querer o que não se pode ter! Eu me recordo de cada momento como se fosse ontem. As tardes juntos, as nossas conversas, sei lá, tudo parecia tão perfeito...sempre parece, não é? Mas só parece...Você foi embora sem sequer se despedir. Foi embora da minha vida sem dar sequer um telefonema. Às vezes eu penso se seria bacana ter, pelo menos, a sua amizade. Mas me conheço o bastante pra saber que eu jamais, jamais me contentaria!...
Daqui só dá pra ouvir o vento lá fora e as batidas do meu coração. Parece que tirar você da cabeça não depende da minha vontade. Ao mesmo tempo, eu não sei o quanto eu realmente quero esquecer você. E assim eu sigo. Levando minha vida, nas noites, vendo seu rosto em tudo que é lugar entre um gole e outro, onde quer que eu esteja, e tentando inutilmente ignorar o seu fantasma, que insiste em se fazer presente, Gabriel. Tão presente quanto a sua ausência....
Enfim, já falei demais. Mais do que deveria. Nem sei se mais se quero que essa carta chegue ao seu destino. Eu ainda tenho seu endereço. Mas também tenho um orgulho que não cabe em mim, e já me basta o sentimento de culpa por sentir tudo isso. Deixar que você saiba seria loucura demais, e eu não sei se vou pagar pra ver, porque eu já tinha marcas antes de você e não quero mais dar à vida a chance de me machucar. Seja como for, eu espero que você encontre o seu caminho e desfaça suas confusões, enquanto eu tento entender que na vida não dá pra ser sempre do meu jeito.

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Em primeiro lugar, eu gostaria que você soubesse que eu não costumo escrever cartas pra garotas. Sei lá, tô meio sem jeito aqui, depois de toda a minha estupidez. Eu queria ter coragem de te dizer a verdade, sabe. Te contar que na real, você entendeu tudo errado, que eu não tinha intenção de te ferir, mas antes disso eu, egoísta, não quis me ferir, e por isso escondi a verdade de você e fugi feito um covarde. Quando eu vejo você passando aqui na rua todos os dias quando volta do escritório, eu tenho vontade de descer, te gritar e dizer tudo, mas a essa altura do campeonato você já nem deve mais lembrar de mim. Com a sua vida agitada, com seus tantos amigos e com seus admiradores, você nem teria porque se lembrar de mim mesmo. Eu entendo. Mas eu tava confuso. E a garota que estava me deixando assim na verdade era você, Marcela. Eu quis te afastar porque eu não queria admitir o que eu estava sentindo e por isso te contei aquela história. História da qual você era a protagonista, mas nunca soube. E tudo por um medo estúpido de me sentir preso. O tempo passou e eu percebi três coisas: o quanto eu fui idiota, imaturo; o quanto você faz falta no meu dia-a-dia; e que oportunidades perdidas não voltam mais. E agora é tarde. O seu silêncio me incomoda. Às vezes penso em te ligar, pedir desculpas, até mesmo em bater na porta da tua casa, mas não quero ter que encarar toda a indiferença que no fundo eu sei que fiz por merecer. Nunca conheci ninguém como você. Nunca alguém me fez tão bem como você me fez. E por conta da minha infantilidade eu te deixei escapar, e agora não tem volta (seu silêncio me diz isso todos os dias). É como diz na canção: pensei que era liberdade, mas na verdade era só solidão. 
Acho que nunca terei coragem de fazer com que essa carta chegue até você. Mas também, o que isso importa? Você não ligaria pra ela, mesmo. É tarde. E, por ser tarde, eu tentarei dormir. Quem sabe ao acordar perceba que tudo foi só um sonho ruim e que ainda existe alguma chance de te fazer voltar. 


terça-feira, 11 de março de 2014

Um telefonema bastaria, passaria a limpo a vida inteira

Era noite e o telefone de Luisa tocou. Poderia ser qualquer pessoa: uma amiga ou uma daquelas ligações por engano que ocorriam com certa frequência. Mas seu coração disparou ao ouvir aquela voz. Após tanto tempo de silêncio, Renan finalmente havia dado o ar da graça. Luisa acreditava que eles nunca, nunca mais se falariam. E agora ele estava ali, ligando pra ela.

- Tudo bem? - perguntou Renan, meio sem jeito.

- Tudo...quer dizer, quase. - Luisa respondeu mais sem jeito ainda. 

E diante de um "não entendi" de Renan, Luisa explicou o quanto havia se chateado com a atitude dele, enquanto ele se queixava do sumiço dela:

- Você não quis mais falar comigo, por isso não estou compreendendo sua ligação...

- De onde você tirou isso? - ele perguntou.

- Como de onde? Você não retornou nenhuma de minhas ligações, me evitou. O que queria que eu fizesse? Sou uma ótima entendedora, e pra mim ficou muito claro que você não queria mais falar comigo. E eu não sou do tipo que precisa implorar pela atenção de ninguém.

- Eu não soube de nenhuma das suas ligações. Certamente minha irmã não fez muita questão de me dizer que você havia ligado, já que eu estava sem falar com ela. Então achei que VOCÊ não queria mais falar comigo. E como eu também não sou de implorar pela atenção de ninguém...

Tudo não havia passado de um mal entendido. Um daqueles bem tolos. A rotina de Renan era corrida, o dia-a-dia de trabalho e faculdade era bem cheio, e com a falta de comunicação com sua irmã Paola, ele nunca soube que o afastamento de Luisa se deu justamente porque ela se importava demais. Assim como ele se importava demais, mas ambos não queriam explicitar isso. Por medo, por despreparo para uma possível relação e por orgulho. 
O fato é que Luisa nunca esqueceu daquele encontro numa noite chuvosa. Renan também não. Luisa ainda se lembrava claramente do olhar tímido de Renan. Renan sentia falta de rir com o modo como Luisa ficava sem graça diante de um elogio, e como ela falava sem parar quando estava tensa. E depois ficava em silêncio, aparentemente tão tímida quanto ele. E os dois sentiam falta do tanto que tinham em comum.
Depois de um "me desculpe, entendi tudo errado" de ambos, falaram sobre as novidades e o que tinham feito naqueles meses em que estiveram afastados. E depois...o silêncio.
Renan sempre ficava tímido diante da desenvoltura de Luisa ao se expressar. E ela sempre ficava boba quando falava com ele, e a certa altura as palavras simplesmente desapareciam. Não por falta de assunto. Não por desinteresse. Simplesmente porque ele exercia esse tipo de efeito sobre ela: a deixava boba, sem palavras. Justo Luisa, que levava tanto jeito com as palavras e as tinha como suas melhores amigas, ficava sem elas quando estava com Renan. E ele nunca sabia o que dizer no minuto seguinte. 
Dois bobos. Dois tolos, que interpretavam o silêncio sempre da maneira errada.

- Então até logo. Ah...foi bom falar com você.

- Igualmente! Tchau!

- Tchau.