sexta-feira, 15 de agosto de 2014

[...]

Medo de ser feliz? Eu não diria medo, diria que tenho cautela. Eu tenho cautela com ilusões, então as evito. A realidade é sempre mais segura. Sempre preferi viajar em terra firme que nas nuvens. E não é diferente com as emoções. Durante a minha trajetória eu aprendi que tudo na vida é incerto, e por conta disso você não pode apostar todas as suas fichas. E o que é ser feliz? Acreditar na ilusão dos 'finais felizes'? Eu prefiro ser feliz agora, com o que é possível neste momento, com o que disponho no presente. Contar com o futuro pra isso, almejar uma 'felicidade' que está sempre à frente, sempre onde não estou, parece loucura. Parece e é.

Pequeno diálogo em um dia de inverno

- Mas e se eu me perder no caminho?

- Não se preocupe, eu tenho um mapa.

- E se eu não souber o que dizer?

- Relaxa, sei entender silêncios.

- E se eu errar?

- Eu também não sou perfeito.

- E se as minhas asas se quebrarem?

- Você, sempre tão distraída, esquece que eu também sei voar.

- Mas e se...

- Shh! - interrompeu-a com um beijo - e se você trocasse o 'eu' por 'nós'?!...

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Sobre renascer das cinzas

Seria apenas mais um dia, mais uma manhã de sábado qualquer, o esforço para acordar cedo iria se dever apenas ao cansaço, se não fosse toda a dor contida no coração de Mariana, sobrevivente de mais um desmoronamento dentro de si. O esforço para entender que precisava continuar, seguir adiante com a rotina, com seus planos, ser forte por si mesma, era imenso e não a havia deixado dormir na noite anterior, apenas mais uma imersa em lágrimas; lágrimas essas que ela não ousava permitir que se atrevessem a sequer marejar seus olhos diante de quem quer que fosse. Guardava para si sua dor, somente seu travesseiro, os bichos de pelúcia e as paredes do quarto poderiam saber. E naquela manhã ela seguia para o curso de pós-graduação enquanto tentava engolir a seco aquele nó na garganta que quase lhe tirava o ar, por vezes. Olhar pela janela do ônibus e ver o céu cinza era como olhar para dentro de seu coração e ver tudo o que restou daquele amor que parecia coisa de filme, que parecia que iria durar para o resto da vida, que parecia verdadeiro, indestrutível. E agora, tudo que restava eram escombros em seu coração, e a dor esmagando o peito sem piedade. Mas Mariana vestia sua armadura todos os dias, colocava sua máscara com sorriso no rosto e evitava ter que responder qualquer pergunta, alimentar qualquer curiosidade e mexer ainda mais na ferida, aberta, viva, latejando. 
Chegando na faculdade, encontrou as amigas com quem conversou sobre assuntos banais. A primeira aula começou e era difícil se concentrar, mas ela precisava. Palavras, palavras e mais palavras que saiam da boca da professora, e que seus pensamentos a impediam de ouvir. Até que a professora propôs uma atividade a qual denominou "Escrita Criativa": os alunos deveriam observar uma sequência de imagens e ir escrevendo um texto sobre elas, sem pensar muito, apenas teriam que observar as imagens e deixar que as palavras surgissem, colocando-as no papel. E assim, as imagens começaram a surgir numa grande tela, projetadas pelo data show: uma janela, uma penteadeira antiga, uma estrada sombria, escadas descendo, uma lápide, fogo, uma sala com móveis velhos e empoeirados, uma árvore, um avião, uma praia e um jardim com diversas flores. E assim, as palavras de Mariana começaram a nascer no papel.
A sequência de imagens foi projetada duas vezes, e então a professora anunciou o término do tempo para a escrita. E solicitou que alguns alunos  se prontificassem a ler seus textos. Uma aluna leu seu poema, que tratava de assuntos relacionados a sua família. Mariana sentiu vontade de ler o seu, também. Sentia-se calma, pensou que leria sem problemas, pois tinha desenvoltura ao se expressar e apresentar-se em público. Levantou a mão quando a professora solicitou um próximo voluntário e iniciou a leitura de seu texto:

"Olhei através da janela da minha alma, tentando compreender o que havia acontecido. Era como ver, refletido num espelho qualquer, tudo que era difícil demais para os olhos aceitarem. Conforme me aproximava de mim mesma, era como caminhar por uma estrada obscura em direção ao que até então eu não sabia. Era difícil aceitar os fatos. Era uma pequena morte dentro de mim. Desejei queimar cada lembrança, já envelhecida, e tirar o pó de dentro do meu coração. Desejei que tudo não passasse de um pesadelo...

Nesse momento, a leitura de Mariana foi interrompida por lágrimas que subitamente surgiram, impetuosas, sem que ela conseguisse contê-las, de uma forma tão brusca e intensa, que parte dos alunos e mesmo a professora choraram junto com ela. Todos pensavam que Mariana largaria o caderno e fugiria da sala, para chorar longe, para se esconder. Mas ela sentia que tinha que ser forte para, ao menos, conseguir enfrentar aquelas palavras, que descreviam sua dor, até o fim. Então, mesmo trêmula e chorosa, ela respirou fundo e continuou, com a voz um tanto falha:

"...Desejei partir numa viagem rumo ao esquecimento e começar tudo de novo, como uma árvore que na primavera volta inteira do inverno, conseguindo novamente produzir seus frutos. Queria encontrar a paz. Chegar à superfície depois de nadar com tanto esforço naquele oceano de dor. Conseguir novamente colher flores no jardim da vida."

Ela sentou-se e enxugou as lágrimas. Houve palmas e o abraço das amigas, que nem sequer sabiam sobre aquele amor perdido, tamanha era a vontade de Mariana de enterrar aquela história sem contá-la pra ninguém. A professora dizia que reações como aquela poderiam ocorrer e que isso era bom, porque Mariana havia externado sua dor. Mariana era acostumada demais a ocultar suas dores. Porém naquele dia não se sentiu envergonhada de suas lágrimas: elas haviam lhe lavado a alma. 
Seus dias de solidão se seguiram, e da solidão ela retirava forças. Para continuar, superar, recomeçar. E daquele amor, cuja mentira destruiu transformando-o em cinzas, só lhe restou ressurgir como uma Fênix, caminhando sobre os escombros, retirando todo o entulho e deixando o espaço livre para, quem sabe algum dia, construir uma nova história...


terça-feira, 15 de julho de 2014

Hora da colheita pra quem semeou vento

E você aí, meu caro, achando que todas elas são iguais só porque essa garota não estava vibrando na mesma frequência que você. Porque depois que você falou dessa história de casamento e filhos ela passou quatro semanas sem atender as suas ligações. E você fica aí se perguntando onde errou e maldizendo a vida porque todas queriam um cara como você ao lado, mas você se esquece: 'ela' não é 'todas'. Porque agora que a solidão bateu forte, ninguém mais te completa e elogiar a torcida feminina do Corinthians inteira não tem mais a mesma graça, afinal, as outras são fáceis de iludir e conquistar, mas essa que se tornou a sua cisma, essa, meu amigo, te colocou na friendzone. Eu bem que te avisei que um dia seu feitiço viraria contra você. 
Daí você entende (ou tenta) que não adianta gostar das mesmas coisas e ter química se os caminhos não são iguais. Em algum momento vocês chegam a uma bifurcação e cada um vai para o seu lado. Sim, isso acontece. As coisas nem sempre são do seu jeito. Dessa vez você, tão acostumado a brincar, se tornou o brinquedinho nas mãos da vida. Sim, da vida. Lembra quando você se isentava de culpa sobre os sentimentos daquelas garotinhas cujas quais você conquistava com palavras baratas, frases vazias e poemas clichês, os quais nem você mesmo compreendia o real sentido? Então, ela também não tem culpa de não sentir o mesmo. Ou melhor: de não sentir nada. E você não achava que o jogo pudesse virar. Bem vindo à vida, meu caro: somos peças de xadrez nas mãos dela.
Ensinaram a você que o mundo é um imenso álbum de figurinhas pra você colecionar, não é mesmo? Mas um dia você deu de cara com uma peça rara que não se encaixa em lugar algum. E você fica aí procurando explicações, fingindo que não entendeu o que ela quis dizer com 'te vejo apenas como um amigo'. Daí você fez questão de se tornar aquele 'amigo' inconveniente, que não sai do pé, e agora fica aí, entre um porre e outro, fingindo que o silêncio é só 'charme', 'joguinho', que 'ela está bancando a difícil'. Meu amigo, encare a realidade: você não é o centro do mundo, muito embora a vida toda tenham te convencido disso; iludiram você.  E você, sempre tão acostumado a deixar, foi deixado. Como dizem por aí: aceita, que dói menos. 

sábado, 12 de julho de 2014

Parecia liberdade, mas era só solidão.

Apesar de seu jeito muitas vezes infantil e egocêntrico, Rafael tinha uma alma tão bonita e singular que me cortava o coração observar como a solidão de seus dias entristecia seu olhar desde a partida de Letícia. Conheci Rafael há pouco tempo (sou nova na empresa onde trabalhamos), e em meio as  nossas conversas entre um café e outro, era nítida sua confusão interna. Ele sentia falta de aproveitar a juventude da maneira como não fez, casou-se cedo, sempre fora uma rapaz tímido e isolado que agora tinha sede de viver...mas ao mesmo tempo ele amava aquela mulher como dificilmente um homem se imagina sendo capaz de amar. Ele realmente não compreendia como foi deixando que as brigas se tornassem tão frequentes, quando foi deixando de prestar atenção e valorizar as palavras e o esforço de Leticia em manter aquela relação, aliás, ela era o assunto mais comentado, sempre. E ele se culpava...sempre se culpou pela partida dela. Eu compreendia perfeitamente a atitude de Leticia. Ela tinha um espírito livre, segundo pude perceber através das descrições que Rafael fazia, e ainda assim lutou durante dez anos por aquela união. Um dia ela se cansou da atenção que ele não dava mais, da mania de achar que já a tinha nas mãos, então não precisaria mais conquistá-la dia após dia. Assim como eu não suportaria por muito tempo, ela também não suportou. E eu sempre fui sincera com ele a respeito disso. Relacionar-se requer certezas. O amor é uma certeza e não 'achismos'.
Ele sempre me trazia alguma carta ou poema, dos que fazia para ela. Sabe, era comovente ver naquelas linhas, assim como naqueles olhos, uma esperança infantil que nunca morria: a de que ela fosse voltar algum dia. Já faziam meses, mas ele tinha essa certeza e era nítido. Mas eu (como qualquer pessoa no mundo) sabia: ela não voltaria. Eu já estive lá. Na mesma situação de Leticia. A gente não volta. E não volta porque a partida definitiva só se dá após inúmeras tentativas, após relevarmos tanta coisa, após esgotarmos todas as nossas forças. E quando o adeus definitivo é dado, não olhamos para trás. É bem provável que o amor de Leticia tenha se esgotado junto com suas forças. Mas somente a esperança cega de Rafael não conseguia ver isso. E sabe-se lá quantos dez anos mais serão precisos para que ele se dê conta e então decida riscar outro fósforo e deixar que a vida o apresente outro caminho. Porque ela precisou ir embora para que ele percebesse que a liberdade que almejava era só uma solidão doída e camuflada. E ele estava perdido, completamente perdido, sem saber o que fazer sem ela. Com o tempo sobrando, entre tantas pessoas, nos bares, mas se sentindo sozinho como nunca, enquanto os dias passavam. Eu queria poder fazer alguma coisa, mas me sinto inútil. Palavras quaisquer que eu diga não produzem efeito algum. É como se eu tivesse um trabalho a fazer aqui, mas que não vai ser fácil. Talvez seja mais sensato sair de cena e deixar que o tempo cuide disso. Deixar que ele cresça com essa dor, infelizmente necessária. E enquanto ela não passa, meu ombro amigo estará sempre aqui, por essa alma apaixonada, que tanto me tem cativado.

Lado B

Ela só queria ser aquele tipo de pessoa que passa como uma brisa suave que acalma em plena noite, entende? Aquela pessoa de fala serena e sutil, que convence pela tranquilidade com que defende aquilo que acredita. Mas não, ela é como o fogo, aquele que ilumina muito por muito pouco tempo, sabe? Ela passa feito uma ventania dessas que dão uma boa bagunçada nas coisas, ela é destrambelhada. Não sabe soprar as palavras, as atira, como balas, mas somente na folha de papel (porque na hora de falar, elas somem, se atrapalham, e sai tudo ao contrário). Ela tem uma doçura agressiva, que se camufla no seu jeito estabanado de ser, sentir, pensar, se expressar. Ela sabe que tudo fica bem no final, então é sempre mais fácil dizer que tá tudo bem do que ter que ficar explicando seus turbilhões internos (às vezes nem ela tem paciência com eles). Ela queria ser calmaria, bonança depois da tempestade, arco-íris depois da chuva, mas é tudo ao mesmo tempo, assim, nessa completa desordem. Vai de um extremo ao outro, numa tentativa maluca de chegar a algum lugar, e quantas vezes se pega andando em círculos. Parece meio ilógico, mas ela vive numa corda bamba, numa linha tênue entre se atirar com tudo e se proteger. E nem tudo que escreve, ela sente. Nem tudo que sente, ela escreve.

terça-feira, 8 de julho de 2014

E não tem mais nada, negro amor...

Todos os fins de tarde Rafael fazia o mesmo ritual: chegava do trabalho, comia algo, tomava um banho e subia para o seu quarto bagunçado, onde ligava a TV e acompanhava as notícias do dia, para então se desligar da realidade e ler algum livro ou jogar videogame. E regradamente, no mesmo horário, parava o que estava fazendo para observar, da fresta da janela, aquela que sempre fazia o seu coração vibrar. Leticia passava por ali todos os dias voltando do curso que fazia, carregando seus livros, sempre tão distraída. Eles moravam no mesmo condomínio e nunca haviam se falado. Já fazia muito tempo que Rafael sentia vontade de se aproximar, mas o medo e a timidez não permitiam. Aqueles eram tempos anteriores à internet e o pouco que Rafael sabia sobre Leticia era através de alguns conhecidos em comum. Esse pouco havia sido o bastante para que se interessasse em saber mais sobre a moça de longos cabelos castanhos e um olhar enigmático que tentava se esconder atrás de seus óculos. Em frente à janela do quarto de Rafael haviam árvores e um banco. Era naquele banco que ele sempre imaginava que se sentaria algum dia para conversar com ela.
Foram longos meses até uma primeira aproximação, que aconteceu com ajuda dos amigos em comum. Leticia, que já havia observado Rafael algumas vezes, também se sentiu atraída pelo seu jeito jovial de ser, e se encantava com suas sutilezas e gentilezas, enquanto ele tentava decifrar seu olhar tímido, que teimava em tentar esconder-se. Muitos encontros e passeios depois, a relação estava consolidada.
Dois anos depois do início do namoro, os pais de Rafael mudaram-se de cidade por conta do trabalho, e algum tempo depois, ele e Leticia decidiram morar juntos naquela casa e dividir suas vidas um com o outro, num 'pra sempre' sem garantias.
O tempo passou. Dez anos se passaram. E o que o tímido olhar de Leticia não havia revelado naquele tempo, foi descoberto com a convivência: ela era dona de um espírito inquieto, agitado, que não se adaptava à rotina, à mesmice, aos dias iguais. O que as gentilezas de Rafael não disseram quando se conheceram, era sobre o seu lado infantil e muitas vezes egoísta, que o cegava diante das necessidades dos outros, muitas vezes. Ainda assim, aquele amor sobreviveu por muito tempo.
Agora, olhando pela mesma janela, Rafael custava a acreditar e aceitar o que estava acontecendo. Enquanto tentava digerir as palavras escritas num bilhete curto e grosso de despedida deixado por Leticia, e fingir que o guarda-roupas vazio era só um pesadelo, ele se perguntava em que momento as coisas começaram a se perder entre eles; quando deixaram de dialogar, onde ficou todo aquele encanto do início...e onde ele estava com a cabeça por haver deixado tudo se tornar monótono e o distanciamento passar quase despercebido até então...e tudo que ela tentava lhe dizer tantas vezes até aquele dia, e que ele insistia em não querer ouvir, começava a fazer sentido, agora.
Mas era tarde demais para questionamentos e percepções. Ele não sabia para onde ela havia ido, onde estava, o que faria daqui pra frente sem aquela a quem aprendeu a agarrar-se nos momentos mais difíceis. Entre o medo do futuro e a esperança de que ela retornasse algum dia, ficava a necessidade de seguir com a rotina diária. A mesma rotina que eles não conseguiram tornar interessante o bastante para que o amor continuasse vivo, presente. 
Naquela noite de sábado, após um dia inteiro de um porre que anestesiava, mas não o ajudava a entender, as únicas cores e vozes presentes vinham da TV. Porque na mente e no coração de Rafael tudo ficou escuro e ele se sentia perdido, como num labirinto. Porque às vezes é preciso a perda, é preciso o choque, é preciso que a vida nos chacoalhe para acordarmos nos darmos conta do que estamos a fazer com ela. Do tempo que estamos perdendo. Da atitude que não tomamos. Das palavras que insistimos em não ouvir e não dizer. Do que estamos deixando escapar. E o que fica depois do adeus são dúvidas e a chance que a vida nos dá de reavaliar o modo como conduzimos nossas relações e, quem sabe, aprender alguma coisa com isso. 

terça-feira, 15 de abril de 2014

O valor é temporário...

- E para quem escreves estes versos? - perguntaram-na.

Poderia ser pro vento que bate no rosto pela manhã, lembrando-a que estava viva. Poderia ser pro sol que deixava  o dia mais alegre, ou pro frio dia cinzento que lhe confortava no aconchego do lar. Podia ser pra alguma lembrança distante, boa de lembrar.  Podia ser pro céu, podia ser pro mar. Pro aqui, pro agora. Porém, ela respondeu:

- São para o meu amor. Para o meu amor imaginário!

E por trás daquele olhar combinado com um leve sorriso, o mistério pairava e uma pergunta flutuou no ar:

"Será?..."

quinta-feira, 20 de março de 2014

Cartas que nunca vão chegar

Mais uma noite de insônia. E é tudo culpa sua. Decidi que não aguento mais ficar com essa angústia só pra mim e quis dividi-la com você. Nada mais justo, já que é o causador dela. Sabe, já é a quarta xícara de café. Eu sempre encho a cara de café quando fico angustiada. Ah, como me sinto estúpida! Era só um jogo, não é mesmo? Um maldito jogo e eu, idiota, me deixei envolver. Mas eu não pude evitar, eu não pude...se até os seus gestos mais simples me encantam...se o seu silêncio ao invés de me fazer te esquecer, só me atrai mais e mais....mania idiota de querer o que não se pode ter! Eu me recordo de cada momento como se fosse ontem. As tardes juntos, as nossas conversas, sei lá, tudo parecia tão perfeito...sempre parece, não é? Mas só parece...Você foi embora sem sequer se despedir. Foi embora da minha vida sem dar sequer um telefonema. Às vezes eu penso se seria bacana ter, pelo menos, a sua amizade. Mas me conheço o bastante pra saber que eu jamais, jamais me contentaria!...
Daqui só dá pra ouvir o vento lá fora e as batidas do meu coração. Parece que tirar você da cabeça não depende da minha vontade. Ao mesmo tempo, eu não sei o quanto eu realmente quero esquecer você. E assim eu sigo. Levando minha vida, nas noites, vendo seu rosto em tudo que é lugar entre um gole e outro, onde quer que eu esteja, e tentando inutilmente ignorar o seu fantasma, que insiste em se fazer presente, Gabriel. Tão presente quanto a sua ausência....
Enfim, já falei demais. Mais do que deveria. Nem sei se mais se quero que essa carta chegue ao seu destino. Eu ainda tenho seu endereço. Mas também tenho um orgulho que não cabe em mim, e já me basta o sentimento de culpa por sentir tudo isso. Deixar que você saiba seria loucura demais, e eu não sei se vou pagar pra ver, porque eu já tinha marcas antes de você e não quero mais dar à vida a chance de me machucar. Seja como for, eu espero que você encontre o seu caminho e desfaça suas confusões, enquanto eu tento entender que na vida não dá pra ser sempre do meu jeito.

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Em primeiro lugar, eu gostaria que você soubesse que eu não costumo escrever cartas pra garotas. Sei lá, tô meio sem jeito aqui, depois de toda a minha estupidez. Eu queria ter coragem de te dizer a verdade, sabe. Te contar que na real, você entendeu tudo errado, que eu não tinha intenção de te ferir, mas antes disso eu, egoísta, não quis me ferir, e por isso escondi a verdade de você e fugi feito um covarde. Quando eu vejo você passando aqui na rua todos os dias quando volta do escritório, eu tenho vontade de descer, te gritar e dizer tudo, mas a essa altura do campeonato você já nem deve mais lembrar de mim. Com a sua vida agitada, com seus tantos amigos e com seus admiradores, você nem teria porque se lembrar de mim mesmo. Eu entendo. Mas eu tava confuso. E a garota que estava me deixando assim na verdade era você, Marcela. Eu quis te afastar porque eu não queria admitir o que eu estava sentindo e por isso te contei aquela história. História da qual você era a protagonista, mas nunca soube. E tudo por um medo estúpido de me sentir preso. O tempo passou e eu percebi três coisas: o quanto eu fui idiota, imaturo; o quanto você faz falta no meu dia-a-dia; e que oportunidades perdidas não voltam mais. E agora é tarde. O seu silêncio me incomoda. Às vezes penso em te ligar, pedir desculpas, até mesmo em bater na porta da tua casa, mas não quero ter que encarar toda a indiferença que no fundo eu sei que fiz por merecer. Nunca conheci ninguém como você. Nunca alguém me fez tão bem como você me fez. E por conta da minha infantilidade eu te deixei escapar, e agora não tem volta (seu silêncio me diz isso todos os dias). É como diz na canção: pensei que era liberdade, mas na verdade era só solidão. 
Acho que nunca terei coragem de fazer com que essa carta chegue até você. Mas também, o que isso importa? Você não ligaria pra ela, mesmo. É tarde. E, por ser tarde, eu tentarei dormir. Quem sabe ao acordar perceba que tudo foi só um sonho ruim e que ainda existe alguma chance de te fazer voltar. 


terça-feira, 11 de março de 2014

Um telefonema bastaria, passaria a limpo a vida inteira

Era noite e o telefone de Luisa tocou. Poderia ser qualquer pessoa: uma amiga ou uma daquelas ligações por engano que ocorriam com certa frequência. Mas seu coração disparou ao ouvir aquela voz. Após tanto tempo de silêncio, Renan finalmente havia dado o ar da graça. Luisa acreditava que eles nunca, nunca mais se falariam. E agora ele estava ali, ligando pra ela.

- Tudo bem? - perguntou Renan, meio sem jeito.

- Tudo...quer dizer, quase. - Luisa respondeu mais sem jeito ainda. 

E diante de um "não entendi" de Renan, Luisa explicou o quanto havia se chateado com a atitude dele, enquanto ele se queixava do sumiço dela:

- Você não quis mais falar comigo, por isso não estou compreendendo sua ligação...

- De onde você tirou isso? - ele perguntou.

- Como de onde? Você não retornou nenhuma de minhas ligações, me evitou. O que queria que eu fizesse? Sou uma ótima entendedora, e pra mim ficou muito claro que você não queria mais falar comigo. E eu não sou do tipo que precisa implorar pela atenção de ninguém.

- Eu não soube de nenhuma das suas ligações. Certamente minha irmã não fez muita questão de me dizer que você havia ligado, já que eu estava sem falar com ela. Então achei que VOCÊ não queria mais falar comigo. E como eu também não sou de implorar pela atenção de ninguém...

Tudo não havia passado de um mal entendido. Um daqueles bem tolos. A rotina de Renan era corrida, o dia-a-dia de trabalho e faculdade era bem cheio, e com a falta de comunicação com sua irmã Paola, ele nunca soube que o afastamento de Luisa se deu justamente porque ela se importava demais. Assim como ele se importava demais, mas ambos não queriam explicitar isso. Por medo, por despreparo para uma possível relação e por orgulho. 
O fato é que Luisa nunca esqueceu daquele encontro numa noite chuvosa. Renan também não. Luisa ainda se lembrava claramente do olhar tímido de Renan. Renan sentia falta de rir com o modo como Luisa ficava sem graça diante de um elogio, e como ela falava sem parar quando estava tensa. E depois ficava em silêncio, aparentemente tão tímida quanto ele. E os dois sentiam falta do tanto que tinham em comum.
Depois de um "me desculpe, entendi tudo errado" de ambos, falaram sobre as novidades e o que tinham feito naqueles meses em que estiveram afastados. E depois...o silêncio.
Renan sempre ficava tímido diante da desenvoltura de Luisa ao se expressar. E ela sempre ficava boba quando falava com ele, e a certa altura as palavras simplesmente desapareciam. Não por falta de assunto. Não por desinteresse. Simplesmente porque ele exercia esse tipo de efeito sobre ela: a deixava boba, sem palavras. Justo Luisa, que levava tanto jeito com as palavras e as tinha como suas melhores amigas, ficava sem elas quando estava com Renan. E ele nunca sabia o que dizer no minuto seguinte. 
Dois bobos. Dois tolos, que interpretavam o silêncio sempre da maneira errada.

- Então até logo. Ah...foi bom falar com você.

- Igualmente! Tchau!

- Tchau.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Que a chuva traga alívio imediato

As mãos de Ana suavam ao esperá-lo, e ela parecia uma adolescente de 13 anos. Recordava todas as conversas e pensava no jeito dele, em como ele tinha alguma coisa de singular, alguma coisa que a encantava, e nos seus olhos azuis da cor do céu. Ela nem acreditava que o encontraria mais uma vez, pela primeira vez - sim, era como se fosse a primeira vez, mas não era. Seu coração -presa fácil pra crueldade desse tipo de sentimento- sabia que não poderia esperar nada, mas isso não importava naquele momento. Porque tudo que importava era exatamente o momento. Pessoas passavam, iam e voltavam na estação do metrô. Ana permanecia sentada no banco, tentando se distrair com a leitura de um livro, mas não conseguia se concentrar, porque tinha borboletas no estômago - e como eram boas aquelas borboletas. Ana esperava.
Pablo estava a caminho, queria encontrar Ana, a achava bonita e simpática, uma companhia que o distraía e até mesmo fazia com que conseguisse esquecer Mariana por alguns instantes. Pablo havia terminado o relacionamento com Mariana fazia alguns meses, e como já era de se esperar, seu coração definitivamente não estava disponível, mas seria bom encontrar Ana novamente, afinal, ela era espontânea, agradável e o fazia esquecer dos problemas. Pablo era tímido e talvez também estivesse um pouco nervoso, mas Ana não notaria, porque certamente ela estava bem mais nervosa.
Após 3 trens, aquele que trazia Pablo finalmente chegara à estação. Ana estava com a cabeça baixa, olhou rapidamente para o lado e ali estava ele, lindo como um deus grego...vindo em sua direção. Ela fez alguma brincadeira na tentativa de espantar sua própria tensão, e eles se cumprimentaram. Pablo era tímido e isso encantava Ana. Abraçaram-se e caminharam de mãos dadas, enquanto conversavam. Quer dizer, Ana falava e falava, porque sempre que ela ficava nervosa falava demais (mais do que normalmente). Eles não conseguiam se encarar por muito tempo. Ana por ansiedade e Pablo por timidez. Mas era mágico cada vez que seus olhares se encontravam, assim, rapidamente, durante segundos que ficavam eternizados...era mágico, para Ana. Foi mágico passear pelo parque de mãos dadas. Foi mágico quando a chuva começou e eles procuraram um lugar pra se abrigar entre as árvores. Foi mágico quando Pablo colocou seu casaco em volta de Ana 'para que ela não se molhasse tanto', e ela o abraçou. Ele a abraçou de volta. A chuva ficou mais forte. Eles andaram mais depressa em busca de uma cobertura, até que acharam. Até que os olhos dele decidiram pousar sobre os dela, e ficaram ali, esquecidos e encontrados. Até que o beijo aconteceu. O segundo beijo. Desde aquela noite em que se conheceram naquela festa. Não havia música, haviam pessoas, adultos e crianças, que também fugiam da chuva. Mas no pensamento de Ana, uma música tocava, sendo a trilha sonora daquele momento. Ela sabia o quanto aquele dia, aqueles momentos e aquele rapaz que a encantava eram fugazes. Mas nada disso importava agora. 
O tempo passou. Ana sabia desde o início que o coração de Pablo não estava livre para ela, mas mesmo assim, entregou-se aos seus encantos. Quando tudo isso começou ela tinha a opção de não levar adiante, de não manter contato com ele e hoje em dia seria apenas um desconhecido que ela encontrou numa noite qualquer e nunca mais viu na vida. Mas ela escolheu colocá-lo em sua vida, mesmo sabendo que não era ali que ele iria ficar, mesmo sabendo que ele não poderia seguir o caminho dela, seguir com ela. Ela decidiu correr o risco, como sempre. Tardes como aquela nunca mais aconteceram. Nunca mais vão acontecer.
Ana não era mais uma menina, há muito tempo, há muitos anos. Mas Ana sempre foi boba, uma dessas bobas que volta e meia se encantam com a singularidade de alguém. Passariam-se dez, vinte anos, e ela continuaria sempre assim, sendo boba, sendo sensível.
O distanciamento era inevitável diante das circunstâncias. E disso ela sempre soube. Agora, na solidão do seu quarto, o que antes não importava passou a pesar. Ela compreendia perfeitamente que Pablo e ela não estavam exatamente no mesmo momento, embora ela tivesse passado por uma experiência semelhante - ela já estava curada, fazia mais tempo. Ele não, tudo era recente demais. Ela compreendia isso. Quer dizer, a razão compreendia. Todo o resto dela teimava em não entender. Mesmo sabendo que era culpada. Que quem deu início a um jogo que não precisaria ter existido foi ela.
Temporais como o daquela tarde, existirão muitos, mas nunca serão iguais. Pablo tinha cabelos da cor do sol. Ana tinha uma tempestade no coração. E ela só queria que o sol voltasse a nascer. Ou que a chuva trouxesse o alívio de que tanto precisava. E dentro dela, havia a certeza de que a lembrança daquela tarde chuvosa ficaria para sempre.


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Continua...

domingo, 5 de janeiro de 2014

Só depois de perder você descobre que era um jogo

Eles eram os melhores amigos. Combinavam em tudo. Estar com Clara era sempre agradável para Lucas. Ambos não viam o tempo passar quando estavam juntos. Eram confidentes. Se pareciam em tudo. Já haviam arranjado muitos conflitos em seus relacionamentos por ciúme dessa amizade. Tudo começou quando Lucas terminou com uma namorada, há alguns anos. Eles se conheceram, começaram uma amizade, e ele sempre pedia conselhos à Clara, na tentativa de tentar entender a conduta e as confusões femininas. Clara também se sentia à vontade com Lucas e buscava refúgio nele sempre que sofria alguma desilusão amorosa. Mas a amizade deles não se limitava a esse tipo de assunto. Riam juntos, jogavam partidas de vídeo-game, bebiam juntos e jogavam bilhar. Era quase uma irmandade. Quase. Até aquela tarde de final de ano.
Os namoros de Clara nunca incomodaram Lucas. Assim como as paixões de Lucas nada causavam em Clara. Eles sempre ficaram felizes com a felicidade do outro. Mas naquela tarde tudo passou a fazer sentido...ou não. Lucas mandou algumas mensagens para Clara. Ela sempre respondia prontamente, mas passou-se um dia e não houveram respostas. Lucas estranhou, mas enfim, não deu muita importância, afinal, tantas coisas poderiam ter ocorrido para que não respondesse. Talvez ele fosse acostumado demais à presença dela e um simples dia sem mensagens, sem notícias, era desconfortável. Mas enfim, procurou não pensar nisso.
Clara havia terminado um relacionamento há pouco mais de um ano. Para todos ela havia superado. Cortado todos os vínculos. Mas o passado, nesses casos, sempre dá um jeito de voltar. E Gabriel- seu ex namorado- havia reaparecido naqueles dias. Ninguém sabia. Nem mesmo Lucas. Talvez pela vergonha de admitir que ainda existiam sentimentos ocultos, Clara não havia contado a ninguém- nem mesmo ao seu melhor amigo- deste reaparecimento. Ela tentou lutar contra isso, mas foi inútil. As lembranças do que vivera ao lado de Gabriel falaram alto demais. E o fato de ele haver decidido se mudar daquela cidade distante para a cidade em que Clara residia (segundo ele, por causa dela) a fez renunciar ao orgulho.
Semanas se passaram. A caixa de entrada de Lucas continuava vazia. Não era normal aquilo, definitivamente não era. Mas ele não queria ligar. Se ela não se importava mais, por que ele deveria? Aliás, por que ele se importava tanto? Havia algo de errado no sumiço de Clara. Havia algo de diferente nos sentimentos de Lucas. No fundo ele sabia. Só não queria admitir. Não poderia aceitar. Ela era como uma irmã para ele. Era? 
E foi naquela tarde de sexta-feira que Lucas decidiu sair para um bar qualquer, distrair a cabeça. Sozinho. Durante o tempo em que Clara e Lucas estiveram sozinhos, sem relacionamentos, o laço entre eles se fortaleceu mais. Ela sabia disso.  Lucas não conseguia parar de pensar em Clara. De recordar as conversas, as risadas, as confidências, os momentos juntos. Não podia ser. Mas era.
Ao chegar no bar, pediu uma cerveja. E antes que pudesse tomar o primeiro gole, não pôde acreditar no que via. Era Clara, ali, à sua frente. Com Gabriel. Sorrindo. Foi nesse momento que seu coração se partiu em milhões de pedaços, como jamais esta que vos escreve poderia imaginar que o coração de um homem pudesse se partir. Impulsivo, ele foi até a mesa deles.

-Clara...eu ia perguntar o que aconteceu, por que você sumiu assim...mas nem precisa! - ele disse, desapontado.

Clara arregalou os olhos, surpresa, por não esperar vê-lo ali. Levantou-se e com a voz trêmula respondeu, titubeando:

- Lucas...me desculpe, eu...não queria te magoar.

- Você não tem nada que me explicar - Lucas disse, num tom frio, e saiu, deixando a cerveja largada em cima da mesa.

'Ela sabia.  Ela sempre soube! Soube antes que eu mesmo pudesse saber! E mesmo assim não hesitou em me machucar assim.' Lucas conversava consigo mesmo em pensamento enquanto caminhava sem rumo.
Quanto à Clara...foi difícil explicar a reação de Lucas a Gabriel (que em tempos anteriores já não gostava dessa amizade, menos ainda agora).
Dizem por aí que é mais fácil amizade se tornar amor, do que amor se tornar amizade. Deve ser mesmo. Lucas não conseguia se perdoar por haver deixado aquele sentimento brotar. Sentia-se rejeitado. Trocado. Deixado de lado. Até mesmo enganado. Ela sempre contou tudo pra ele, por que havia escondido? Naquele momento ele não acreditava mais na amizade que um dia existiu. E se não podia acreditar em Clara, não poderia acreditar em mais ninguém. Ficou claro que ela sabia dos sentimentos dele antes mesmo que ele se desse conta de que sempre a havia amado. Ficou claro através daquela frase: 'Eu não quis te magoar.' Mas ele amava sozinho. E sentia como se só ele tivesse sido verdadeiro o tempo todo, como se ela tivesse jogado com ele. E é como diz na música: só depois de perder você descobre que era um jogo.