domingo, 26 de março de 2017

Sob o Mesmo Céu

Quando você olha para alguém somente com os olhos "físicos", por assim dizer, você vê pouca coisa: tudo se limita à aparência, ao que "parece ser". Mas olhar apenas com os olhos é algo que não a pertencia mais, há algum tempo. Ela não sabia exatamente quanto tempo. Sempre que o outono chega, vem essa vontade de contar pra vocês um pedacinho de alguma história. E a que eu vou contar agora é sobre uma menina e um garoto. Ele tinha um quê de mistério, sabe? Aquelas pessoas incógnitas que a gente fica o tempo todo querendo decifrar. Mas ela, que detestava ser invasiva, ficava observando de longe,  só na vontade. Não ousava decifrá-lo. Ela olhava e pensava: deixa ele aí, sendo o mistério que quer ser. Porém, para uma pessoa intuitiva, é difícil não ver além. Depois que a gente aprende a enxergar tudo com a alma, se torna involuntário. Ela via aquele muro de proteção que ele havia erguido, mas também via uma mão estendida. Que depois se escondia. Sabe aquele tipo de pessoa que dá um passo pra frente e dois pra trás, como quem guarda e protege um tesouro precioso? Era exatamente assim. Não sabia por qual razão, essa defesa ao mesmo tempo que a afastava, a encantava. Ele era um quadro que ela só queria apreciar de longe. Ela tinha medo de chegar mais perto. Ela sentia que, caso se aproximasse, ele se afastaria para sempre e então ela não iria mais poder contemplar a beleza do que era diferente e singular. As pessoas podem até ser espelhos, sim. Ainda tinha tanto dessa proteção nela, também. Em tantos contextos. Mas, mesmo se protegendo, ela ainda sentia a necessidade de cantar bem alto. Porque ela era a música, ele era o silêncio. E, mesmo tão diferentes, aquilo a atraía. Parecia que aquela diferença era exatamente o que ela ainda não havia experimentado, mas era uma peça essencial de algum quebra-cabeça. Algo que ela precisasse aprender, talvez. Algo que ela precisasse compreender. Enfim...ela decidiu simplesmente aceitá-lo. Aceitar a distância, aceitar as diferenças, aceitar que aquela peça talvez não se encaixasse exatamente na sua vida naquele momento e que, por mais bonito que fosse, se ela quisesse contemplá-lo, teria que ser de longe. E tudo bem. Porque o quebra-cabeça talvez não fosse a "sua" vida, mas a existência em si. E a beleza das coisas não está no quanto elas nos pertencem, mas em como elas nos fazem sentir. Nas emoções que despertam e na compreensão que trazem. A gente sempre cresce um pouco mais a cada peça do quebra-cabeça da existência que encontra nessa jornada: nem sempre essas peças se encaixam em nós, ou nós nelas. Mas tanto nós quanto elas, somos parte de algo maior. E isso por si só já é belo. Porque mostra que, embora diferentes, de alguma forma (maior e mais bonita) nós estamos ligados. Em algum momento, em algum lugar, eles estariam olhando para o mesmo céu. E isso era o suficiente para acalentar o coração dela. Às vezes, saber que você existe, pode fazer bem pra alguém. Já parou pra pensar nisso?

Um comentário:

Ellen Visitário disse...

Mari, eu acho impecável a maneira que você escreve e descreve a situação de qualquer personagem.

Belíssimo conto! E é tão bom quando a vida nos mostra ou quando a gente percebe que se o quebra-cabeça não está completo, a culpa não é nossa por deixar escapar uma peça. Cada peça em seu lugar quando o destino quiser que esteja.

Paciência. E resiliência.

Beijos, minha linda!
Escreva sempre!